A atribuição do Prémio Nobel da Química de 2025 a Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar Yaghi — pioneiros no desenvolvimento das redes metal-orgânicas (MOFs) — representa um marco histórico para a ciência dos materiais e um motivo de especial orgulho para a comunidade científica portuguesa. No CICECO, esta distinção ressoa de forma particularmente significativa: desde 2001, investigadores da instituição têm explorado o potencial dos MOFs e de outros materiais porosos para enfrentar desafios globais nas áreas da energia, ambiente e saúde.
Em entrevista, o Professor João Rocha, investigador principal do CICECO e uma das referências nacionais neste domínio, reflete sobre o impacto deste reconhecimento, as contribuições portuguesas para o avanço das MOFs e as perspetivas futuras desta fascinante área da química dos materiais.
1) O que representa, para a comunidade científica portuguesa — e para o CICECO — a atribuição do Prémio Nobel de Química às pessoas que desenvolveram as redes metal-orgânicas (MOFs)?
Para o meu grupo e para o CICECO, este prémio reconhece uma linha de investigação em que trabalhamos desde 2001 (com o primeiro artigo publicado em 2002) e na qual sempre acreditámos, pela sua grande promessa em gerar novos materiais, com propriedades melhoradas ou inéditas, capazes de melhorar a vida das pessoas.
2) Os laureados (Kitagawa, Robson e Yaghi) são reconhecidos por conceberem arquiteturas moleculares porosas versáteis. Em que pontos principais considera que o seu trabalho foi decisivo no avanço das MOFs? E que diferenças essenciais houve entre o estado da arte anterior e as abordagens que esses cientistas introduziram — em termos de estabilidade, funcionalização ou capacidade de aplicação?
Kitagawa, Robson e Yaghi mostraram como montar arquiteturas moleculares com buracos e canais à medida, capazes de deixar passar ou prender moléculas específicas. Pense num “queijo suíço” à escala molecular. Usando peças-bloco, como cachos metálicos e ligandos orgânicos, criaram redes cristalinas estáveis que mantêm os poros mesmo sem solvente. Essas redes podem ser afinadas: troca-se o metal, muda-se o ligando, adicionam-se funções. Servem para armazenar ou separar gases (incluindo hidrogénio, dióxido de carbono), catalisar reações, detetar poluentes, etc. Antes, muitos materiais semelhantes colapsavam ao secar e mal permitiam ajuste fino. Com estas abordagens, as MOFs tornaram-se plataformas robustas e programáveis para aplicações.
3) O CICECO já desenvolve linhas de investigação em MOFs ou materiais porosos semelhantes. Em que áreas específicas? Pode dar exemplos de projetos atuais (ou recentes) em que o grupo liderado por si (ou no qual participa) trabalhe com MOFs?
No CICECO, investigamos MOFs e outros materiais porosos para armazenamento e separação de gases (por exemplo CO? e H?), sensores e plataformas luminescentes, catálise/fotocatálise e como precursores de outros materiais. No grupo em que me insiro, e de que fazem parte os professores Luís Carlos e Manuel Souto e o investigador Filipe Paz, entre outros, destacamos MOFs emissores de luz e MOFs condutores iónicos e eletrónicos para baterias, investigação que é apoiada por técnicas de caracterização avançada, como ressonância magnética nuclear (RMN). Em linha com a sustentabilidade, trabalhamos no desenho de redes anti-mosquito em têxteis funcionalizados com MOFs e na recuperação seletiva de espécies de urânio em águas. Esta agenda inclui um projeto FCT em curso dedicado a MOFs para baterias de lítio, focado em eletrólitos sólidos, separadores funcionais e elétrodos derivados de MOFs.
4) Considerando as capacidades científicas e tecnológicas em Portugal e do CICECO, quais são as área mais pioneiras e competitivas? E quais os maiores desafios que encontramos para crescer nesse domínio de redes metal-orgânicas (ex: financiamento, infraestruturas, talento, ligação à indústria)?
As áreas mais pioneiras incluem caracterização avançada (RMN de estado sólido e difração de raios-X) para estido da relação estrutura-função; MOFs funcionais para energia, com condutores iónicos e eletrónicos para baterias; e sensing e fotónica, com MOFs luminescentes e compósitos para deteção seletiva de gases/VOCs. Nesta área, atuamos sobretudo em investigação fundamental. O presente projeto FCT está a terminar; esperamos que este Nobel motive os avaliadores de futuros projetos a financiarem o nosso trabalho.
5) Ao longo da sua carreira, como viu a evolução da investigação em materiais porosos em Portugal e no mundo? E como o seu trabalho também contribuiu diretamente com o desenvolvimento deste setor?
Os materiais porosos formam uma classe muito mais ampla do que as MOFs. O nosso trabalho mais relevante incide em silicatos porosos, nomeadamente zeólitos; um silicato de zircónio, após uma pequena modificação, chegou mesmo ao mercado como fármaco para tratar a hipercaliemia (excesso de potássio no sangue). A passagem dos silicatos porosos para as MOFs foi natural: alargou o âmbito do nosso trabalho e abriu novas frentes. Nos MOFs, os nossos contributos principais estão nos materiais emissores de luz e, mais recentemente, em materiais com condução iónica e eletrónica, essenciais para baterias.
6) Que conselhos daria a jovens investigadores portugueses que queiram entrar ou especializar-se no campo das MOFs ou materiais porosos?
Diria que é uma área exigente, mas extremamente estimulante. Requer uma boa base em química de coordenação, estrutura cristalina e caracterização avançada, mas também abertura para trabalhar em equipa com físicos, engenheiros e cientistas dos materiais. É fundamental aprender a sintetizar com propósito, não apenas a criar novas estruturas, mas a compreender como e porquê funcionam. E, acima de tudo, a cultivar curiosidade e persistência: muitos resultados inesperados são precisamente os mais interessantes.
Ah, e claro: venham trabalhar com o João Rocha!
Leia a contribuição sobre esta conquista com a participação do João Rocha no artigo: https://www.publico.pt/2025/10/08/ciencia/noticia/premio-nobel-quimica-vai-cientistas-desenvolveram-redes-metalorganicas-2150010
Assista a este episódio do CNN Inovação, trazendo o trabalho de João Rocha com os MOFs: https://cnnportugal.iol.pt/videos/cnn-inovacao-universidade-de-aveiro-departamento-de-quimica/686fd0300cf20ac1d5f34093
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